I
Aqui é longe
De onde vim
São muitos os anos
Como medir
Essa distância
Em que lingua rezam
Os pássaros
II
Vire-me do avesso
E verá
Além dos dias
Dessa distância que atravesso
As cores do meu signo
Fevereiro
Onde nasci não é assim
Tão frio como aqui
Hoje
Vire-me do avesso e verá
que sou verão
2. Alice, Hoje
Alice acordou lá pelas quatro da madrugada, e viu que a cortina não estava completamente fechada. Pela primeira fez, deixou. Não quis corrigir aquilo que não era bem um erro. Alice lembrou-se que tem quarenta e cinco anos e um filho. E que ele já a ensina coisas que nunca soube, ou que tinha esquecido.
Alice viu a luz dos carros como lanças desafiando o vidro da janela e o pano florido, desenhando linhas no teto como se fosse destino na palma de uma mão.
Alice em seguida levantou-se e, andando em direcão à janela, passou pelo espelho. Voltou e parou à sua frente, observando a sua reflexão. Pensou nos muios anos até aqui, nas inúmeras viagens e aventuras que nem sempre tiveram trilha sonora, nem long shot de road movie. Alice lembrou-se que saiu de onde nasceu para conquistar outros inícios, para encontrar aquilo que alguns tinham e nem precisavam pensar à respeito.
E não estamos todos assim, aqui? Nús desde o começo. Quando o recém-nasciso respira pela primeira vez, é tambem um choro. E então a fome até aprendermos à falar e pedir por mais comida, até alguem sentar-se do nosso lado e ler-nos um livro. Até que um dia aprendemos à andar e depois, à correr. Alice pensou naquilo que vem depois do correr - o parar para observar, para ver o horizonte, a vista, o que nos rodeia. Quanto tempo até chegarmos lá, aqui.
Em poucas horas seu filho vai acordar, levantar-se da cama, e andar até o quarto dela, e vai acordá-la com um pequeno beijo na testa.
Antes de voltar para a cama, Alice se olha no espelho e percebe que colocou sua camiseta velha de banda de rock do avesso.
Luciana Francis