HORA MARCADA | Fabíola Weykamp
— 25 de agosto de 2020
A poeta está muda.
Esvaziam-se as gavetas
pela mesa onde apoia os
dois cotovelos na esperança de
encontrar o que procura.
Não há o que se diga
que não se tenha dito.
Não há um só recorte especial
que configure a nova poética dos
tempos em que tudo morre;
não há nem mesma essa busca.
É isso:
a poeta está muda.
Talvez, cansaço
talvez, tenha levado muito tempo
afundando os dedos dentro de
copos de chocolate e, assim, ocupado
as mãos por inteiro.
Talvez, perdida
olhando pela janela o pátio vazio
e o branco do muro que
não é branco nem está sujo
parece ter congelado em um tempo
difícil de encaixar na régua,
como tudo aqui que ficou do lado de fora
e segue existindo sem permissão ou alegria.
Talvez, esteja ocupada
persuadindo a memória recente
a revirar seu estoque
inacabável de imagens desnecessárias
tentando,
–– porque cisma
e quando cisma
é bom você servir um chá
ou fazer as malas ––,
tentando encontrar a foto,
o registro semanal do que
não se pôde prever ou dar conta;
relembrar a sala e a poltrona
onde abraçou os joelhos e esticou-se em seguida,
como um bebê que acabara de despertar.
A poltrona era branca ou marrom?
Marrom quando não havia
assombro no elevador ocupado,
quando somente o silêncio era desconfortável?
De repente, em um encontro comum,
chegou e estava tudo branco?
Tudo escancarado à retina?
Atravessando as grandes janelas
E atingindo-a em cheio na testa?
Quando foi mesmo que aconteceu
a troca das cores das poltronas?
Quando foi mesmo aquela vez
em que trocaram de lugar?
Quais objetos em sua mesa
ainda estão lá, fazendo questão
de agarrar-se com força à poeira
como um lembrete do silêncio ao vazio?
A poeta está muda,
é tudo que sei.
Tristezas sempre se têm a carregar.
A novidade, aqui, é outra.
A poeta está muda
com os pés fincados no meio da sala de sua casa
onde entra luz indireta
e a água chega em conta-gotas.
Não é preciso sair. Não se pode sair.
A poeta está fixa,
agora paciente, no trabalho de recuperar
a lembrança de sua própria imagem
desviando da projeção do espelho
para chegar à poltrona
que não sabe mais se da última vez
estava branca ou marrom
combinando com o resto dos móveis
acomodados à sua espera
toda semana
–– agora tão tarde e sem boas-vindas com hora marcada.
Fabíola Weykamp – tem livros de poesia publicados e, atualmente, é colunista e editora convidada da Revista Subversa.
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