EM SEU LUGAR | Fabíola Weykamp
— 25 de setembro de 2020
ouço tua voz invadir os cômodos da ampla casa
chama-me para o café
levanto em um salto desperto
os grãos recém moídos
mostram-me onde tocar com os pés
atinjo a grande sala iluminada pelo bom dia, mas não encontro a cozinha
nem a parede onde a porta marcava presença
agora, em seu lugar, tem um grande e muito pesado armário
espanto-me porque não lembro de tê-lo comprado
não lembro-me de termos conversado sobre
essas mudanças em casa
nossos móveis ainda eram tão recentes
cheiravam à pinho
dou meia volta em meus pés
sem encontrar uma fresta
por onde passe o cheiro do café recém coado
percebo, agora, embora iluminada,
a sala está toda vazia, sem portas ou janelas
apenas o armário que estala
só de me sentir por perto
decido, por fim, empurrar o móvel
que não se move
nem mesmo com minha agonia
encosto o lado direito de meu rosto
na parede gelada
espio entre armário e parede
um trinco, alguma marca
uma lembrança nossa
mas tudo parece não ter havido,
branco, tinta antiga, parede plana, planos
sem marcas de vazio preenchido com reboco
o cheiro do café torrado,
agora, arde em minhas narinas
lacrimejam meus olhos
o desencontro
o desacordo
ainda éramos tão, mas tão recentes
Fabíola Weykamp – tem livros de poesia publicados e, atualmente, é colunista e editora convidada da Revista Subversa.
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