AMANHECENDO | Pedro Belo Clara
— 10 de junho de 2020Entrar na manhã assim,
devagarinho,
como devagarinho se toca
o sorriso das mulheres,
o cetim das alvas flores
– sem pressa de entregar o corpo
à neblina fina,
tão fina
– o outro rosto do linho estival;
entrar na luz ainda frágil
como se entra em cascata etérea
e perder a memória
no silêncio dos trevos sonolentos,
na dócil candura
dum miosótis solitário;
entrar com cada passo
em forma de beijo à terra reservado,
libertos da espessura dos sonhos
que a noite plantou.
Que cada gesto que faças
seja dança de mariposa.
Então, só então, fecharás os olhos
deixando o coração ver
– só ele compreenderá
esse esplendor que recomeça
sem mancha de cansaço,
como se nunca antes
houvesse nascido.
Ao canto do primeiro melro
seremos papoilas
ondulando nos caprichos pueris
das mais frescas brisas.
PEDRO BELO CLARA nasceu em Lisboa, Portugal. Um ocasional prelector de sessões literárias, actualmente é colaborador e colunista de diversas publicações literárias portuguesas e brasileiras. O seu último trabalho foi dado aos prelos sob a epígrafe de “Lydia” (2018). É o autor dos blogues Recortes do Real, Uma Luz a Oriente e The beating of a celtic hear.
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