Cenário de uma manhã ou uma viagem | Mírian Freitas
— 14 de março de 2021Inesperada manhã
acesa em seus fluxos contínuos de luz
ilumina as descobertas das águas
os santuários aquáticos, o vento
e suas vertigens,
as escamas tristes dos peixes
a permanência discreta das tartarugas
na areia.
Tudo sopra na memória o mar imenso
sua penugem azul
adorna a paisagem
vestimentas lendárias
sopram dizeres límpidos de um som diverso
muito além da dimensão do cântico das sereias.
Nenhuma água se comunica comigo.
A solidão venta na casa dos olhos:
há sede de liberdade.
Gaivotas esparsas no revoar águas salientes
enxergam na luz desta manhã
a força do alto,
a vasta certeza do movimento do universo.
Atrás, no bem longe além,
a paisagem se despede no horizonte.
Cavalos roucos nas molduras do céu
gritam palavras desalinho e medo,
são selvagens, mas escutam fábulas
como crianças em delírio.
Noutras existências já viviam de lamúrias
pés descalços, cascos escuros
visitavam os planaltos áridos
sorriam muito.
Choravam muito.
Aprenderam o amor.
(O amor desencanto?).
Agora, no presente desdito,
avesso de tantas dúvidas
desaprenderam a amar.
(Além do vínculo e das dádivas
não são os únicos que sofrem).
O coração é lenha.
Primeiro, reinventaram o vento
depois a noite, a lua, as estrelas
adiante viram os adeuses,
as vozes dizendo noturnas:
– ama-te a ti mesmo ó criaturas
ao menos no meio da terra pálida
alimenta-te de profundos cânticos
ardores de palavras
vultos, voos, anjos de mármores
ao redor de tua crina embalsamada.
Não há rios nem corredeiras de águas
para matar-te a sede das coisas antigas
da vontade dolorida de florir.
(Rostos endurecidos, fecham-se).
O que resta da morte inocente
ungida nos pilares do grito e da rouquidão?
São os pés de barro dos vultos inertes
– corpos áureos aquecidos por labaredas,
simples pomar de laranjas da terra e
cavalos galopando o céu.
Multidões ameaçam partir.
Assim, de flagelo em flagelo,
a alma animal é cantiga e viagem.
Mírian Freitas | Juiz de Fora, Brasil | mineira, doutora em estudos de Literatura (UFF), escritora, professora do IFSUDESTE/JF. Autora de Intimidade vasculhada (contos- 7 Letras), Exílios naufrágios e outras passagens (poemas- Patuá) | mfreitasbrazilmg@aol.com
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